quarta-feira, 9 de maio de 2018

Ah, os queridos anos 1960. Eu gostava de dizer, então, cinicamente: o regime político ideal é uma ditadura em decomposição; o aparelho opressivo funciona de maneira cada vez mais defeituosa, mas está sempre ali para estimular o espírito crítico e zombeteiro. No verão de 1967, irritados com o congresso corajoso da União dos Escritores e achando que o atrevimento tinha ido longe demais, os chefes do Estado tentaram endurecer sua política. Mas o espírito crítico havia contaminado até o comitê central que, em janeiro de 1968, decidiu que o presidente seria um desconhecido: Alexandre Dubcek. A Primavera de Praga começou: hilário, o país recusou o estilo de vida imposto pela Rússia; as fronteiras do estado foram abertas e todas as organizações sociais (sindicatos, federações, associações), originalmente destinadas a transmitir ao povo a vontade do partido, tornaram-se independentes e se transformaram em instrumentos inesperados de uma democracia inesperada. Nasceu um sistema (sem nenhum projeto preestabelecido, quase por acaso) que foi verdadeiramente sem precedentes: uma economia 100% nacionalizada, uma agricultura nas mãos das cooperativas, nada de pessoas muito ricas, nada de pessoas muito pobres, o ensino e a medicina gratuitos, mas também: o fim do poder da polícia secreta, o fim das perseguições políticas, a liberdade de escrever sem censura e, a partir daí, o desabrochar da literatura, da arte, do pensamento, das revistas. Eu ignoro quais eram as perspectivas de futuro desse sistema; na situação geopolítica de então, certamente nulas; mas numa outra situação geopolítica? Quem pode saber... Em todo caso, esse segundo durante o qual esse sistema existiu, esse segundo foi soberbo. 

(Milan Kundera - Um encontro) 

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