sábado, 29 de junho de 2019

À noite, ele e Estela caminhavam pelas ruas escuras, e Borges recitava, em italiano, as frases de Beatriz para Virgílio, implorando-lhe que acompanhe Dante em sua viagem pelo Inferno.

Ó alma generosa mantuana, 
De quem a fama ainda no mundo dura
E durará quanto a memória humana,

O amigo meu, mas não de sua ventura,
Tão na deserta encosta está impedido...

Estela lembrou os verso e contou-me que Borges fizera troça da adulação astuciosa que Beatriz usa para obter o que quer. E acrescentou: "Depois ele se virou para mim, embora mal pudesse me adivinhar sob a iluminação nevoenta da rua, e perguntou se me casaria com ele".

Meio de brincadeira, meio a sério, ela lhe respondeu que poderia fazê-lo. "Mas, Georgie, não esqueça que sou uma discípula de Bernard Shaw. Não podemos nos casar sem antes irmos para a cama." Para mim, à mesa de jantar, ela acrescentou: "Eu sabia que ele jamais ousaria".

(Alberto Manguel – No bosque do espelho / Borges é Jorge Luis Borges. Estela é Estela Canto. Ele dedicou a ela um de seus melhores contos, O Aleph, mas talvez tenha se arrependido) 

sábado, 22 de junho de 2019

Apaixonava-se, sem dúvida, e era um amante tenaz, monopolizador, e lhes propunha casamento. Mas, assim que aceitavam, recuava, aterrorizado por ter chegado tão longe. 

(Mario Vargas Llosa sobre Franz Kafka)

quinta-feira, 20 de junho de 2019

A vida é o vento querendo apagar uma lamparina.

(João Guimarães Rosa - Primeiras estórias)

sábado, 15 de junho de 2019

A sociedade do espetáculo governa com uma arma antiquíssima, Hobbes reconheceu há muito tempo que, para a dominação efetiva, "a Paixão a ser examinada é o Medo". Para Hobbes, é o medo que une e assegura a ordem social, e ainda hoje o medo é o mecanismo principal de controle que enche a sociedade do espetáculo. Embora o espetáculo pareça funcional por meio do desejo e do prazer (o desejo de mercadorias e o prazer do consumo), ele realmente funciona pela comunicação do medo - ou antes, o espetáculo cria formas de desejo e prazer intimamente casadas ao medo. No idioma dos primórdios da filosofia européia, a comunicação do medo era chamada de superstição. E de fato a política do medo sempre foi espalhada por uma espécie de superstição. O que mudou foram as formas e os mecanismos das superstições que comunicam o medo.


(Michael Hardt e Antonio Negri - Império)