A gratidão (charis) é
essa alegria da memória, esse amor do passado – não o sofrimento do que não é
mais, nem o pesar pelo que não foi, mas a lembrança alegre do que foi. É o
tempo reencontrado, se quisermos (“a gratidão do que foi”, diz Epicuro).
Compreendemos que esse tempo torna a idéia da morte indiferente, como dirá
Proust, pois aquilo que vivemos, a própria morte, que nos levará, não poderia
tomar de nós: são bens imortais, diz Epicuro, não porque não morremos, mas
porque a morte não poderia anular o que vivemos, o que fugidia e
definitivamente vivemos. A morte só nos privará do futuro, que não é. A
gratidão liberta-nos dele, pelo saber alegre do que foi. O reconhecimento é um
conhecimento (ao passo que a esperança nada mais é que uma imaginação); é por
aí que ela alcança a verdade, que é eterna, e a habita. Gratidão: desfrutar
eternidade.
(André Comte-Sponville – Pequeno tratado das grandes virtudes)
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