MARIA DE LA CRUZ
1961. Havana.
Pouco depois da invasão de Playa Girón,
o povo reúne-se na praça. Fidel anuncia que os prisioneiros serão trocados por
remédios para crianças. Depois entrega diplomas a quarenta mil camponeses
alfabetizados. Uma velha insiste em subir na tribuna, e tanto insiste que enfim
sobe. Em vão move as mãos no ar, buscando o altíssimo microfone, até que Fidel
o abaixa:
– Eu queria conhecê-lo, Fidel. Queria
dizer-lhe...
–
Cuidado, vou ficar vermelho...
Mas a velha, mil rugas, meia dúzia de
ossinhos, criva-o de elogios e gratidões. Ela aprendeu a ler e a escrever aos
cento e seis anos de idade. Chamase Maria de la Cruz, por ter nascido no mesmo
dia da invenção da Santa Cruz, com o sobrenome Semanat, porque Semanat se
chamava a plantação de cana onde ela nasceu escrava, filha de escravos, neta de
escravos. Naquele tempo os amos mandavam ao cepo os negros que queriam letras,
explica Maria de la Cruz, porque os negros eram máquinas que funcionavam ao
toque do sino e ao ritmo dos açoites, e por isso ela tinha demorado tanto em
aprender.
Maria de la Cruz apodera-se da tribuna.
Depois de falar, canta. Depois de cantar, dança. Faz mais de um século que
desandou a dançar Maria de la Cruz. Dançando saiu do ventre da mãe e dançando
atravessou a dor e o horror até chegar aqui, que era onde devia chegar,
portanto agora e não há quem a detenha.
(Eduardo Galeano – Mulheres)
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