Saímos
de Manaus numa lancha pequena, e no meio da manhã navegamos no coração do
arquipélago das Anavilhanas. A ânsia de encontrar Dinaura me deixou desnorteado.
A ânsia e as lembranças da Boa Vida. A visão do rio Negro derrotou meu desejo
de esquecer o Uaicurapá. E a paisagem da infância reacendeu minha memória,
tanto tempo depois. Costelas de areia branca e estirões de praia em contraste
com a água escura; lagos cercados por uma vegetação densa; poças enormes,
formadas pela vazante, e ilhas que pareciam continente. Seria possível
encontrar uma mulher naquela natureza tão grandiosa? No fim da manhã alcançamos
o paraná do Anum e avistamos a ilha do Eldorado. O prático amarrou os cabos da
lancha no tronco de uma árvore; depois procuramos o varadouro indicado no mapa.
A caminhada de mais de duas horas na floresta foi penosa, difícil. No fim do
atalho, vimos o lago do Eldorado. A água preta, quase azulada. E a superfície
lisa e quieta como um espelho deitado na noite. Não havia beleza igual. Poucas
casas de madeira entre a margem e a floresta. Nenhuma voz. Nenhuma criança, que
a gente sempre vê nos povoados mais isolados do Amazonas. Os sons dos pássaros
só aumentavam o silêncio. Numa casa com teto de palha pensei ter visto um
rosto. Bati à porta, e nada. Entrei e vasculhei os dois cômodos separados por
um tabique da minha altura. Um volume escuro tremia num canto. Fui até lá, me
agachei e vi um ninho de baratas-cascudas. Senti um abafamento; o cheiro e o
asco dos insetos me deram um suadouro. Lá fora, a imensidão do lago e da
floresta. E silêncio. Aquele lugar tão bonito, o Eldorado, era habitado pela
solidão.
(Milton
Hatoum – Órfãos do Eldorado)
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