terça-feira, 17 de dezembro de 2019


A relação de Deus com seu povo era uma relação dialética, complicada. Tomem o caso de Jonas. Lá está esse homem, cuidando de sua vida, quando Deus lhe ordena que vá a Nínive profetizar a destruição dessa cidade pecadora. Uma missão que Jonas recusa; não quer brigar com os ninivistas. Mas sabe que Deus não desistirá tão facilmente, portanto resolve fugir para bem longe. Toma um barco, mas nem assim escapa. O Senhor manda uma tempestade que alarma o capitão e os marinheiros; certos de que alguém a bordo provocou a cólera divina, tiram a sorte – e, claro, dá Jonas (Deus não joga, mas fiscaliza), que é atirado ao mar. Engolido por um grande peixe, é levado por este inusitado meio de transporte até Nínive. Resigna-se a cumprir a determinação divina, profetizando contra a cidade. Mas nesse meio-termo os ninivistas arrependeram-se, fizeram penitência; não há mais necessidade de ameaçá-los. O que deixa Jonas indignado: todo aquele trabalho para nada? Irritado, retira-se para o deserto onde se protege do sol sob uma árvore. Deus manda um bicho que devora a tal árvore. E com Jonas exposto ao sol (correndo o risco do câncer de pele) termina a história.

(Moacyr Scliar – Enigmas da culpa)  

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