A relação
de Deus com seu povo era uma relação dialética, complicada. Tomem o caso de
Jonas. Lá está esse homem, cuidando de sua vida, quando Deus lhe ordena que vá
a Nínive profetizar a destruição dessa cidade pecadora. Uma missão que Jonas
recusa; não quer brigar com os ninivistas. Mas sabe que Deus não desistirá tão
facilmente, portanto resolve fugir para bem longe. Toma um barco, mas nem assim
escapa. O Senhor manda uma tempestade que alarma o capitão e os marinheiros;
certos de que alguém a bordo provocou a cólera divina, tiram a sorte – e,
claro, dá Jonas (Deus não joga, mas fiscaliza), que é atirado ao mar. Engolido
por um grande peixe, é levado por este inusitado meio de transporte até Nínive.
Resigna-se a cumprir a determinação divina, profetizando contra a cidade. Mas
nesse meio-termo os ninivistas arrependeram-se, fizeram penitência; não há mais
necessidade de ameaçá-los. O que deixa Jonas indignado: todo aquele trabalho
para nada? Irritado, retira-se para o deserto onde se protege do sol sob uma
árvore. Deus manda um bicho que devora a tal árvore. E com Jonas exposto ao sol
(correndo o risco do câncer de pele) termina a história.
(Moacyr Scliar
– Enigmas da culpa)