domingo, 22 de novembro de 2020

1950, RIO DE JANEIO: OBDULIO


A coisa está feia, mas Obdulio estufa o peito, pisa forte e mete a perna. O capitão do time uruguaio, negro mandão e fornido, não se encolhe. Obdulio cresce quando a imensa multidão ruge mais, multidão inimiga, nas arquibancadas.


Surpresa e luto no estádio do Maracanã: o Brasil, goleador, demolidor, favorito de ponta a ponta, perde a última partida no último minuto. O Uruguai, jogando com alma e vida, ganha o campeonato mundial de futebol.


Ao anoitecer, Obdulio Varela foge do hotel, assediado por jornalistas, torcedores e curiosos. Obdulio prefere celebrar na solidão. E vai beber por aí, em qualquer botequim; mas em todas as partes encontra brasileiros chorando.


- Culpa daquele Obdulio – dizem, bandos em lágrimas, os que há algumas horas vociferavem no estádio. – O Obdulio ganhou o jogo.


E Obdulio sente um estupor pela raiva que teve deles, agora que os vê um a um. A vitória começa a pesar em suas costas. Ele arruinou a festa dessa gente boa, e sente vontade de pedir perdão por ter cometido a tremenda maldade de ganhar. Por isso, continua caminhando pelas ruas do Rio de Janeiro, de bar em bar. E assim amanhece, bebendo, abraçando os vencidos.


(Eduardo Galeano – Amar amares)

sábado, 21 de novembro de 2020

 MAIO, 4: ENQUANTO A NOITE DURAR


Em 1937 morreu, aos vinte e seis anos, Noel Rosa.


Esse músico da noite do Rio de Janeiro, que em vida só conheceu a praia por fotografias, escreveu e cantou sambas nos bares da cidade que os canta até hoje.


Num desses bares um amigo o encontrou, na noturna hora de dez da manhã.


Noel cantarola uma canção recém-parida.


Na mesa havia duas garrafas. Uma de cerveja e outra de cachaça.


O amigo sabia que a tuberculose estava matando Noel Rosa. Noel adivinhou a preocupação em seu rosto, e sentiu-se obrigado a dar uma lição sobre as propriedades nutritivas da cerveja. Apontou a garrafa, sentenciou:


- Isso aqui alimenta mais que um prato de boa comida.


O amigo, não muito convencido, apontou para a garrafa de aguardente:


- E isso aqui?


E Noel explicou:


- É que não tem a menor graça comer sem ter uma coisinha para acompanhar.


(Eduardo Galeano – Amar a mares)