A enfermidade era a forma licenciosa da vida. E a vida, por sua vez? Não passava ela, quiçá, de uma doença infecciosa da matéria, assim como aquilo que se podia denominar de geração espontânea da matéria talvez fosse apenas uma enfermidade, uma excrescência causada por uma irritação do imaterial? O início da marcha para o mal, para a voluptuosidade e para morte dava-se, sem dúvida, no lugar onde, provocada pelo prurido de uma infiltração desconhecida, realizava-se aquela primeira condensação do espírito, mescla de prazer e de repulsa, que constituía a fase mais primitiva do substancial, a transição do imaterial ao material. Eis o que era o pecado original. A segunda geração espontânea, a criação do orgânico pelo inorgânico já não era mais do que uma intensificação maligna do progresso do corpo em direção à consciência, da mesma forma que a enfermidade do organismo era um exagero ébrio e um relevo indecente da sua natureza física. A vida chegava a ser apenas o próximo passo no caminho aventuroso do espírito que se tornara impudico, o cálido reflexo do pudor da matéria que fora despertada à sensibilidade e se mostrara disposta a corresponder ao apelo...
(Thomas Mann – A montanha mágica)
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