Nos
gramados regulares do Parque Ibirapuera
Um anjo da Solidão pousa indeciso sobre meus ombros
A noite traz a lua cheia e teus poemas, Mário de Andrade, regam minha
imaginação
Para além do parque teu retrato em meu quarto sorri
para a banalidade dos móveis
Teus versos rebentam na noite como um potente batuque
fermentado na rua Lopes Chaves
Por detrás de cada pedra
Por detrás de cada homem
Por detrás de cada sombra
O vento traz-me o teu rosto
Que novo pensamento, que sonho sai de tua fronte noturna?
É noite. E tudo é noite.
É noite nos pára-lamas dos carros
É noite nas pedras
É noite nos teus poemas, Mário!
Onde anda agora a tua voz?
Onde exercitas os músculos da tua alma, agora?
Aviões iluminados dividem a noite em dois pedaços
Eu apalpo teu livro onde as estrelas se refletem
como numa lagoa
É impossível que não haja nenhum poema teu
escondido e adormecido no fundo
deste parque
Olho para os adolescentes que enchem o gramado
de bicicletas e risos
Eu te imagino perguntando a eles?
onde fica o pavilhão da Bahia?
qual é o preço do amendoim?
é você meu girassol?
A noite é interminável e os barcos de aluguel
fundem-se no olhar tranquilo
dos peixes
Agora, Mário, enquanto os anjos adormecem devo
seguir contigo de mãos dadas
noite adiante
Não só o desespero estrangula nossa impaciência
Também nossos passos embebem as noites de calafrios
Não pares nunca meu querido capitão-loucura
Quero que a Pauliceia voe por cima dos árvores
suspensa em teu ritmo
(Roberto
Piva – No parque Ibirapuera)